Alguns irão dizer que essa crônica de ficção é apenas mais uma daquelas lendas urbanas bizarras, sem pé nem cabeça, e é, mas fique esperta.
Quando eu era criança e a gente morava na roça, eu tinha medo de um papa figo, velho do saco e da loira do banheiro da escola. A nossa mãe sempre alertava para não falar com estranhos, pois poderia vir um velho com um saco preto, colocava a gente dentro e depois nos matava para comer nosso fígado.
E ela disse assustada, eu sou da periferia do Governador Valadares, em Minas Gerais, Brasil. De uma favela carregada e lá eu tive muito medo de ser assaltada, pois sempre tinham jovens delinquentes à espreita.
Agora aqui, tenho um verdadeiro pavor, mas é em ser sequestrada sem resgate. É isso mesmo que você está ouvindo. Aqui eles monitoram os imigrantes e do nada as pessoas desaparecem e nunca mais são encontradas.
Essa coisa de que aqui é seguro é uma grande ilusão. Talvez seja para os nativos, para quem tem muita grana. Para os imigrantes pobres isso aqui é o inferno, mesmo que você esteja legal, vive o tempo todo como se estivesse fugindo e do nada te carregam para sempre, tipo você é raptado e não tem essa de pedirem resgate.
Essa história de que aqui você anda livremente e despreocupado é outra ilusão. Lá onde eu morava, os trombadinhas furtaram meu celular, um pertence pequeno e ponto. Mas aqui, meu maior medo é perder a vida inteira.
Não sei o que é, mas parece se tratar de uma verdadeira máfia de contrabando de estruturas e órgãos humanos para um mercado ilegal. Órgãos para transplante e coisas assim.
No Brasil eu tinha medo de ser assaltada, aqui o meu pavor é saber que mais um desapareceu do nada e nunca mais será encontrado, imigrantes são imigrantes. Possuem pequenas redes de apoio e mesmo que te conheçam, ninguém vai atrás de você.
Quando eu fiquei sabendo que o contrabandista de órgãos pela internet, que estava condenado e em prisão perpétua recebeu o perdão incondicional e foi libertado pelo novo presidente desse país, foi a gota d'água. Todos os meus gatinhos de medo foram reativados.
Não posso negar que gosto daqui, é daqui que tiro o meu sustento e para entrar nesse sonho que virou um pesadelo não foi nada fácil. O primeiro passo foi vender tudo e pegar a herança de uma casa e das terrinhas do meu pai avô e vender tudo.
Confesso que comprei os documentos e entrei pelo ar, de avião e com o visto de 20 dias como turista. Todos os protocolos cumpridos, arranhava um inglês capenga e tinha os dólares para uns 90 dias, me encantei entre os areanha-céus e as buzinas dos táxis amarelos e como nos hologramas ateus me fiz uma década de fluxos e metamorfoses.
Não quero me gabar, mas sou aquela negra chocolate com pitadas de canela e castanha do Pará e impressinantes olhos esmeraldas. Foi assim que entrei nas terras de Tio San, com o corpo, a coragem e me tremendo de medo.
Nova Iorque é fascinante, as luzes da cidade, a neve de inverno, as atrações cotidianas são demais. É uma gigantesca Babel de sonhos e pesadelos sem tempo fixo. Sou uma trabalhadora da noite e não me faltam verdinhas. Mas o sossego desapareceu por completo.
Aqui é o seguinte: se você cair em desgraça, cairá para sempre, pois não existem cordas e nem redes de proteção. Eu conheço todos os perigos de NY, o que passa nos filmes e séries de ficção é a pura realidade. As vezes digo que a minha vida em NY daria um excelente documentário, talvez um romance, mas isso era no tempo da minha mãe.
Agora não dá mais, mesmo sabendo que tenho a proteção dos meus "agentes" e que os negócios aqui são prósperos, já avisei para meu pessoal, o que faço aqui, consigo fazer em BH ou nas noites paulistas com sucesso. Então, hasta la vista América!!!
Por Belarmino Mariano. Imagem das redes
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