O escritor e pesquisador do cangaço, Bismarck Martins, em seu livro “Histórias do Cangaço - o Saque de Sousa Paraíba”, já em segunda edição, lança luz sobre diversos aspectos da invasão daquele município, em julho 1924, por conta de um trabalho meticuloso ao traçar o perfil dos 88 cangaceiros que participaram da razia considerada uma das mais rendosas do bando de Virgulino Ferreira, embora Lampião não tenha participado das ações.
Oitenta oito cangaceiros foram arregimentados por Virgulino, mas comandados por quatro chefes de grupos: seus irmãos Antônio e Livino Ferreira, Sabino das Abóboras, meio-irmão do cel. Marcolino Diniz e Chico Pereira, que procurou Virgulino para a realização do ataque e o planejou em associação como coronel José Pereira Lima, de Princesa Isabel.
A consequência imediata desse ataque foi o recrudescimento na perseguição ao bando de Lampião, que não participou do ataque por estar convalescendo de ferimentos no calcanhar na fazenda Saco dos Caçulas, em Patos de Irerê(PB), de propriedade do coronel Zé Pereira e Marcolino Diniz.
Como desdobramento político, o ataque a Sousa levou o coronel Zé Pereira a mudar de lado, romper com Virgulino e aliar-se ao governo do presidente Sólon de Lucena no combate sem trégua ao seu ex-aliado e sócio, segundo algumas fontes. A repressão ao banditismo rural tornou-se implacável a partir daquele ano de 1924.
Seguiram-se 4 anos de combates intermitentes e de desassossego de Lampião que agia confortavelmente nas divisas de Pernambuco e Paraíba, repressão esta aumentada após o fracassado ataque a Mossoró(RN), em 1927.
Uma coalização de volantes das Polícias de Pernambuco e Paraíba lançou uma guerra sem quartel, obrigando Lampião a abandonar a Paraíba e, em 1928, deixar Pernambuco atravessando o rio São Francisco para o estado da Bahia.
Mas qual foi o destino dos 88 cangaceiros que participaram do ataque a Sousa? Alguns sumiram no oco do mundo, abandonaram o cangaço para usufruir do botim, dezenas tombaram em combate com as volantes, alguns foram capturados e se regeneram após o cumprimento de penas, mas outros, pouco bafejados pela sorte, bateram de frente com a volante “pente Fino” do sargento Clementino Quelé, da Paraíba, ou com a volante do tenente José Lucena, de Alagoas.
Ambas não faziam prisioneiros.
Clementino Quelé fora cangaceiro de Lampião, deixando o bando por rixa, tornou-se um inimigo figadal de Virgulino Ferreira, tornando-se um dos mais ferozes e implacáveis caçadores de cangaceiros. Tocou o terror entre a Paraíba e o sertão do Pajeú pernambucano.
- No meu caminho pra pegar o cego, mato tudo que anda ou rasteja pela terra, teria dito Quelé em certa ocasião nas cercanias de Nazaré do Pico(PE), berço de Lampião e também das volantes nazarenas.
Se Zé Saturnino era o “inimigo No 1”, o tenente Zé Lucena foi considerado o “inimigo No 2” de Virgulino Ferreira.
Quando cabecilha de volante, Zé Lucena cercou a casa de José Ferreira, pai de Lampião, e o matou; em 1938, já na condição de coronel da Polícia alagoana, ao saber da localização de Lampião na Grota de Angico por delação de Pedro de Cândido, em telegrama claro exigiu do tenente João Bezerra, a execução do bandoleiro.
- Quero a cabeça de Virgulino, ou a sua e a de Pedro de Cândido se o bandido escapar, resolvam! Com o tenente Zé Lucena não tinha acerto ou clemência.
Os cangaceiros capturados, feridos em combate ou não, eram obrigados a cavar a própria cova antes de serem fuzilados; Clamentino Quelé, sangrava os cangaceiros capturados após interrogatório, ou os eliminava com tiro na cabeça.
Os cangaceiros Capuxú e Fato de Cobra, que integravam o bando de Lampião, em 1924 quando do ataque a Sousa, foram capturados e fuzilados pela volante de Zé Lucena, mas antes tiveram de cavar suas próprias covas na caatinga.
Quixabeira, cangaceiro remanescente do Bando de Sinhô Pereira e integrante do bando de Lampião no ataque a Sousa, teve o mesmo destino.
Capturado em 1925 no combate do Serrote Preto, foi levado para o Juazeiro do Norte e pouco depois retirado da prisão por Zé Lucena. Também teve que cavar a própria cova antes de ser fuzilado.
O coronel José Lucena Maranhão morreu de ataque cardíaco, em 1955, aos 62 anos. Mas aos 21 anos, como cabecilha de volante, combateu com ferocidade os bandos formados pelos Porcino, os Fragoso, Antônio Matilde (tio por afinidade de Lampião) e o próprio Virgulino.
Relatam que Lampião reinou no cangaço durante 20 anos, Zé Lucena o combateu por 15 anos consecutivos, até dar a famosa ordem final – através de telegrama - ao tenente João Bezerra.
Clementino Quelé, além de perseguir cangaceiros na divisa Paraíba e Pernambuco, destacou-se com cabecilha da volante paraibana na Guerra de Princesa, entre fevereiro e julho de 1930. Depois virou delegado e faleceu lúcido em 1955 no município de Prata(PB). Jamais foi promovido pela Polícia da Paraíba, pelo fato de ser analfabeto.
Fonte: “Histórias do Cangaço - o Saque de Sousa Paraíba”, de Bismarck Martins.
Foto. Cabecilhas de volantes Ten. Zé Lucena, Aspirante Ferreira, Ten. João Bezerra.
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