sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Conversando com a Morte

Por Belarmino Mariano.

Esse papo começou no gerúndio e a esperança é que continuemos assim no gerundium, bem latinizado mesmo, até porque pretendo continuar conversando, andando, comendo, dormindo, falando, brincando, estudando e  correndo, não importando a ordem dos fatores, nem alterando o produto.

Isso mesmo, foi uma conversa franca, aberta e direta, de maneira simultânea e sempre considerando o princípio e o infinitivo sem uma definição clara de temporalidade verbal.

Tudo começou assim que estava acabando minha caminhada matinal e resolvi sentar em um banco da praça para dar uma atualizada nas mensagens em minhas redes sociais.

Sem perceber, vi sentada ao meu lado uma mulher de meia idade, trajando um vestido branco com simbologia exotérica e alguns elementos claramente da cultura andina, pelo menos foi o que me passou pela mente.

Parei de mexer ao celular e a  cumprimentei educadamente. Ela correspondendo aos cumprimentos foi logo perguntando se eu era daqui mesmo. Antes de lhe responder, pedi perdão e disse que estava pensando a mesma coisa e, mesmo antes de saber seu nome, iria perguntar se a senhora era de algum país andino.

Ela disse que poderia usar a expressão você, pois senhora lhe colocava em um patamar de envelhecida e não gostava da ideia, mas foi se apresentando com o nome e sobrenome: "Enma Macaria", e sim, tinha ancestrais da cordilheira e da Pátria Mama.

Descontraida me perguntou o que era um alpinista? Respondi que era um escalador de montanhas. Ela respondeu brincando que era uma das atividades mais arriscadas e que na verdade era um escalador dos Alpes, enquanto nos andes, os montanhistas se consideravam Andinistas, mesmo assim, escalar os Andes é muito mais arriscado que os Alpes.

Rimos pois fazia todo sentido e, enquanto admirava sua beleza enigmática, disse que me chamava Belarmino Mariano e ela, parecendo já me conhecer, comentou, que sabia e que era um professor da universidade.

Admirado e surpreso, fui percebendo que se tratava de alguma mulher especial, com alguns poderes sobrenaturais, tipo alguma cigana do além, e rindo comentei que era da região do Pajeú em Pernambuco, mas parece que já estava famoso por aqui (rimos).

Ela disse que trabalhava na área e era uma observadora compulsiva da vida das pessoas, e notara minhas caminhadas frequentementes. Que aquilo era bom para a saúde e que acabava retardando o encontro fatal com a morte que as pessoas tanto temem.

Tive que concordar e comentei que se tivesse que encontrar com a morte, que fosse algo assim surpreendente, descontraído e bem humorado. Rimos e ela inverteu os papéis dizendo a mesma coisa e ainda me colocando na berlinda, dizendo que eu poderia ser um bom mensageiro da morte e que ela estava muito feliz de conversar e me conhecer pessoalmente.

Comentou que uma amiga já tinha sido minha aluna e que eu brincava com eles em sala, ao conversar com alunos imaginários que estavam sentados nas cadeiras vazias e que achou isso fantástico. Eu confirmei a história e contei que algumas alunas ficavam com medo (rimos).

Que papo agradável, nem estava percebendo o tempo passando. Era meio mágico e até lembrei que certa vez, estava lecionando a Disciplina de Geografia Urbana e trouxe a turma da tarde para uma aula de campo no centro da cidade. 

Na ocasião, estudávamos o traçado das ruas e avenidas e arquitetura local. No decorrer da atividade, fomos  nos dirigindo para o cemitério e ao chegar no portão, uma aluna assustada perguntou se a gente iria entrar lá, aí respondi que sim. Naquele momento a estudante disse que "não entrava ali nem morta", pois morria de medo (Rimos).

Ai perguntei para a aluna se ao morrer, iria preferir ser cremada? Ela disse que era muito pobre para esse privilégio de cremação. Então eu lhe disse que, nesse caso, depois que morrer iria ter que entrar no cemitério, mesmo contra a sua vontade (rimos mais ainda).

Então pedi a um colega da turma que ficasse na companhia da garota até o nosso retorno. Mostrei aos estudantes que o cemitério tinha o mesmo padrão de uma cidade em pequena escala, com ruas, avenidas, quadras, moradias, árvores e jardins, mas o lugar era muito mais sossegado.

A conversa estava tão descontraída e ela comentou que eu usava métodos inusitados em minhas aulas e parecia ser bem resolvido com a morte, pois a travava dela com humor e arte.

Respondi que não era bem assim, mas que era meio cético quanto aos temas envoltos com os deuses, o tempo e a morte. Não me considerava um ateu convicto, mas via esses temas como elementos culturais diante de uma vida rara e imprevisível.

Via tudo como uma grande ilusão, mas gostava de viver, mesmo que provisoriamente. Gostava de envelhecer, de ser professor e tinha uma sensação estranha de já ter vivido outras vidas, e que poderia ser um indício de não existência da morte como o senso comum a ver.

Ela concordou comigo e disse que se fosse a morte, gostaria de tratar a todos dessa maneira, conversas incidentais, bons papos com desconhecidos. Mas que muitos eram passionais e emotivos demais e sempre viam a morte com horror e desespero.

Tive que concordar e lembrei de um artigo que havia escrito sobre a "morte como um espetáculo". Ela respondeu que já tinha lido esse meu artigo e que tinha gostado demais. Juro que fiquei surpreso, mas, antes que perguntasse algo, ela já estava de pé e se despedindo, tinha uma urgência para tratar.

Juro que adorei aquela conversa, aquele bate-papo com Enma Macario e confesso que "fiquei com uma pulga atrás da orelha", pois nem tudo é sobre a morte, mas sobre a sorte de podermos conversar com ela, sem medo, pois os encontros com Ela, são quase sempre incidentais...

Por Belarmino Mariano. Contos Sexagenários. Imagem das redes sociais.
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