Por Belarmino Mariano*
Confesso que foi difícil escolher um título para essa crônica urbana noturna. Fiquei entre os efeitos cascata, dominó e borboleta. Na verdade eram 20:35 horas e a noite estava em sua Super Lua, em seu periélio (menor distância Terra/Lua/Sol). A imagem é um paradoxo e não tem nenhuma relação com a realidade.
Estava caminhando , enquanto ouvia um mix de Zé Ramalho e outros da MPB. Nos primeiros 500 metros de minha caminhada, me deparei com uma família passeando descontraída, enquanto o garotinho com seus dois anos, praticava suas primeiras corridas em terreno irregular, sua irmãzinha corria atrás e, não deu outra, no primeiro tropeço do garoto, ocorreu aquele choque inevitável e os dois, levaram um baque daqueles.
Em passos lentos, vi aquela queda, em quadro a quadro. Enquanto a garotinha levantava chorando e na direção dos pais, o menino ainda atordoado, correu na mesma direção. O choro incontido era acalmado pelos pais e deu para notar que a pintura dos joelhos estava completamente arranhada e as manchas de sangue infantil, indicavam o estrago das primeiras peles de duas vidas infantis.
Segui a caminhada e pensei o quanto a vida é assim mesmo, imprevisível e cheia de baques ou tombos. Na minha frente estavam dois jovens franzinos, entre os 18 e 20 anos de idade. Caminhavam de braços dados e mão na mão. Um par perfeito em meio a uma praça de caminhada, cheia de olhares preconceituosos. Mas eles estavam desafiando estes limites e em meio a homofobia e conservadorismo faziam sua própria história.
Quando cruzei com eles, cumprimentei-os e pude observar que ambos usavam óculos de grau e despertaram um certo ar de jovens intelectuais, talvez universitários, ou estudantes de cursinho pré-vestibular, que como os Anarquistas do século XIX, acreditavam e defendiam os próprios corpos, o amor libertário.
Ao longo dessa passarela ou passeio público, canteiros com plantas, bancos e muitas árvores violentamente mutiladas por agentes públicos de limpeza urbana. A violência contra as arbóreas lembravam uma batalha sangrenta de motoserra e covardia humana, contra aqueles seres presos as suas próprias raízes.
Essa via pública no centro da cidade, corresponde a cerca de 500 metros e em uma ida e vinda, se percorre em média 1 Km. Minha meta era percorrer 10 voltas e ao final consegui 11. Meta cumprida com sucesso. Por volta da sexta volta, quatro jovens com blusas brancas do curso técnico em infermagem estavam fazendo um lanche de meio de rua, enquanto riam descontraídas e esperavam o micro-ônibus ou transporte escolar.
A mulher do pula pula, incensava o ar com uma panela de pipocas, enquanto três crianças se divertiam em pulos e acrobacias de meninos maluquinhos. Enquanto isso, o cheiro de batatinha frita em óleo hiper saturado também se espalhava pela via pública.
Casais conversavam em banquinhos enquanto aguardavam que a moça do açaí preparasse seus pedidos dessa delícia da Amazônia. Do outro lado da caminhada, o rapaz dos sanduíches na chapa, fritava ovos com bacon e carne de hambúrguer. O cheiro forte de cebola com as misturas fritas, despertava a freguesia ansiosa. E a mocinha dos churros, mexia no celular e aguardava sua freguesia incerta.
Nos três pontos de moto táxi, cada um com sua TV de rua ligada, esperavam pelos últimos clientes da noite, enquanto discutiam futebol e alguns estavam revoltados com a derrota do Flamengo para Bahia, enquanto outros discutiam o roubo da arbitragem no jogo do São Paulo contra o Palmeiras.
Esses três pontos de moto táxi são reveladores de uma população invisível e maltrapilha que se encosta para assistir alguma programação de TV. São moradores de ruas em farrapos, alguns muito magros e sujos, dão a impressão de famintos e viciados em algum tipo de droga.
É uma imagem recorrente, em um efeito dominó, alguns desses seres humanos em situação de rua, vão até os pontos de lanches, e pedem para as pessoas paguem um sanduíche, outros nem pedem mais, apenas sentam nos bancos e cochilam diante de uma TV velha. Alguns moto taxistas mexem em seus celulares e vez ou outra chega alguém para fazer uma corrida.
No grupo do dominó, velhos discutem quem perdeu ou jogou errado, enquanto uns jogam, outros aguardam suas vezes, então ficam peruando e rindo das burradas, uns dos outros. É um vai e vem danado e aí temos literalmente, o efeito dominó. Esse talvez seja o grupo mais barulhento da praça.
Em um cantinho da via de pedestre, três membros religiosos "Testemunhas de Jeová" distribuem cartilhas sobre a salvação e o retorno de Jeová. Sorridente, cumprimentam os transeuntes enquanto abordam os interessados.
Nesse vai e vem percorri 5,5 Km e como a noite estava fria, nem senti aquele calor típico que 90 minutos de caminhada permite sentir. Depois desse percurso, pude perceber que a nossa vida é um vai e vem danado, mas depois das 23 horas, aqueles moradores de rua e usuários de drogas, humanos iguais a nós, ficarão por ali mesmo, irão se dirigir para os bancos da feira livre ou ficarão em camas de papelão nas marquises de algumas lojas. A pobreza urbana é assustadora e mesmo em cidades pequenas como a nossa, já é possível perceber esse efeito borboleta se repetindo.
*Por Belarmino Mariano. Imagem das redes.
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