domingo, 14 de setembro de 2025

Domingo de Aparente Calmaria

Por Belarmino Mariano*

Nesse domingo calmo de setembro, eram 09:13 horas quando saí para caminhar. De minha casa até a pracinha do bairro, percorro cerca de 472 metros de distância. Em meu fone de ouvido, através do Spotify tocava "Preciso me encontrar" (Cartola). O samba de Cartola é calmo como esse domingo de setembro. Aqui nos trópicos nordestinos, o calor e os ventos que varrem setembro, não são tão calmos assim.

Quando estava chegando na pracinha de minhas curtas caminhadas, estava tocando "Como nossos pais" (Belchior). Ali na pracinha entre a Churrascaria improvisada de Esteildo (O Gordo), o Posto de Saúde (UBS) e o local do parquinho das crianças, temos um pequeno percurso em calçadas que dá cerca de 247 metros de caminhada. Geralmente, tenho que dar quatro voltas para fazer 1 km.

No parquinho só estavam presentes, duas crianças e um velho. Era um cenário de manhã de domingo e eles estavam se divertindo nos aparelhos de ginástica. Aquela cena de avô com os netos, combinava com o recado de Belchior. Aquela ideia clássica de que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais..."

Cumprimentei o trio geracional e pensei no alfa e no omega, na gênese e no apocalipse. Ali estava uma síntese da vida que ecoava em Belchior, mas lembrei da voz de Elis Regina, naquela voz de faca amolada e cortante.

Como a voz, a poesia e as novas invenções dos que cantam sobre gente nova reunida e os nossos corações como feridas abertas no peito. Seja na voz de Belchior ou Elis, "Você pode até dizer, que eu 'to por fora / Ou então que eu tô inventando / Mas é você que ama o passado e que não vê / É você que ama o passado e que não vê / Que o novo sempre vem (...)"

Que música forte, sentimentos de verdade, sobre uma nova consciência, medos, angústias e dores, do que estamos vivendo nesse momento tão difícil, em que "eles queriam virar a mesa e voltar com uma ditadura, enquanto nós só queríamos virar a página". Por isso, enquanto caminho com a meta de uns cinco quilômetros, quero nesse pequeno artigo, trazer esse poema de Belchior na íntegra, pois os perigos ainda estão nas esquinas: 

"Não quero lhe falar / Meu grande amor / Das coisas que aprendi nos discos / Quero lhe contar como eu vivi / tudo o que aconteceu comigo
Viver é melhor que sonhar / Eu sei que o amor é uma coisa boa / Mas também sei que qualquer canto / É menor do que a vida de qualquer pessoa
Por isso cuidado meu bem / Há perigo na esquina / Eles venceram e o sinal está fechado prá nós / Que somos jovens
Para abraçar meu irmão e beijar minha menina na rua / É que se fez o meu lábio / O meu braço e a minha voz
Você me pergunta pela minha paixão / Digo que estou encantado como uma nova invenção / Vou ficar nesta cidade não vou voltar pro sertão / Pois vejo vir vindo no vento / O cheiro de nova estação / Eu sinto tudo na ferida viva do meu coração
Já faz tempo eu vi você na rua
Cabelo ao vento /Gente jovem reunida /Na parede da memória esta lembrança é o quadro que dói mais / Minha dor é perceber / Que apesar de termos feito / Tudo, tudo, tudo, tudo que fizemos / Ainda somos os mesmos e vivemos / Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais
Nossos ídolos ainda são os mesmos /E as aparências, as aparências não enganam não /Você diz que depois deles não apareceu mais ninguém / Você pode até dizer que eu tô por fora / Ou então que eu tô inventando / Mas é você que ama o passado e que não vê /
É você que ama o passado e que não vê / Que o novo sempre vem
E hoje eu sei, eu sei que quem me deu a idéia /De uma nova consciência e juventude / Está em casa guardado por Deus / Contando seus metais / Minha dor é perceber que apesar de termos feito / Tudo, tudo, tudo, tudo que fizemos ainda somos os mesmos e vivemos / Ainda somos os mesmos e vivemos
Ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais..."

Hoje cedo, antes de sair para caminhar, enquanto tomava o café matutino, via o noticiário e o jornal fala que o ex-presidente, julgado e condenado por tentativa de golpe de Estado e tudo mais, já em prisão domiciliar, estava se dirigindo para um hospital do Distrito Federal para um procedimento clínico, verificar se umas manchas de pele. 

Na porta do hospital, ainda existia uma centena de apoiadores, fazendo registros de imagens dos celulares, enquanto gritavam " mito, mito, mito!" Até parece um cenário de possível tentativa de fuga, pois o hospital é bem próximo da Embaixada dos EUA. Muito estranho que, reapareça em público, mesmo que esteja de tornozeleira.

Enquanto alguns anunciam a morte política de uma organização criminosa liderada pelo ex-presidente, ainda vejo seus tentáculos em cada canto desse país. Confesso que Belchior, continua tão atual, quanto era em 1976, quando lançou "Como nossos pais", em plena Ditadura Militar. 

A nossa ditadura de hoje controla nossas casas eletronicamente, a nova ditadura é global e digital, alimentada por big thecs e por algoritmos muito bem monitorados pela mão invisível do mercado, em http://www.com. extremamente dissimulada e aparentemente neutra e benevolente.
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*Por Belarmino Mariano. Imagens das redes sociais. Fonte Original - Blog Carcará Observador.

(Fonte: LyricFind. Compositores: Antonio Carlos Belchior. Letra: Como Nossos Pais. ©Tratore). Imagem Cio/Sardinha.

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