Quando criei a primeira tempestade dentro de mim mesmo, percebi o quanto o tempo é absurdo e ilusório. Tudo era caos absoluto e vi naquele vendaval teus cabelos compridos e negros.
Você rodopiava igual a uma bailarina de pele fina e corpo esguio em sapatilhas aceleradas. Os movimentos rápidos dos teus olhos esverdeados se fixaram em mim.
Ferisse as iris dos meus olhos e penetrasse a minha pele fina até a alma do meu ser. Me transformei em uma presa fácil, enquanto tu me consumia com verocidade.
Quando acordei não era mais que suor e êxtase. Chorei enquanto gemia feito criança saciada em plena tempestade de amor. Amanheceu sereno e frio e nem queria levantar daquele morno sonho cigano.
Ontem voltei asonhar com você, mas continuava sozinho em meio a uma névoa de penumbra. Fazia bastante tempo que não via seu rosto e até me surpreendi em te encontrar em uma ambiente tão astral.
Você passou ao largo, indiferente e distante, apenas observava meu sonho, enquanto baixava a cabeça como quem não me via, ou fazia de conta que aquele sonho era só meu.
Ainda gritei sem um som audível e acenei para você com um sorriso no rosto e, meio envergonhado em lhe cumprimentar ao longe. Mas você, com um sorriso forçado e desconfiado, apenas acenou de volta e seguiu em sentido oposto.
Me senti completamente vazio, como se estivesse em um umbral sem cores, um cenário completamente distópico e cinza. Não percebi que era um sonho e fiquei pensando o quanto estávamos distantes.
Naquele momento em que você desapareceu na penumbra da rua em fuligem, percebi que se tratava de um sonho, estávamos nas imediações de um parque com um lago ao centro. Nas imediações, tudo era caos, com asfalto estourado, com carros e edifícios em escombros.
Ao me aproximar do círculo central e das palmeiras da calçada para transeuntes, notei que estava com os dois pés à beira de um abismo profundo, olhei bem e tudo era um vazio interminável.
Aquele cenário caótico me alertou para os sentimentos de medo, solidão e pavor. Acordei assustado e em pânico, dentro daquele pesadelo, estranhamente continuei sonhando, e tudo, era um sonho dentro de outro sonho.
Era uma espécie de busca em cinco dimensões, fluindo de maneira atemporal. Rapidamente voltei meus passos em sua direção e já não lhe encontrava na paisagem vazia.
Agora era como se estivesse em um final de tarde, as luzes da cidade ainda não haviam despertado e vi seus ombros e curvas, dobrando a rua, como quem caminhava sem rumo.
Segui seus passos ao longe, como um espião seguindo uma suspeita ou um tigre espreitando sua presa. A mulher do meu reino encantado e utópico, se distanciava a passos largos. As ruas vazias e em escombros eram assustadoras e temia por ela.
Cruzei a avenida e cortei caminho na direção da Casa da Pólvora. Ganhei distância e cheguei primeiro. O Sol já estava por entre as nuvens enquanto descia suave e desaparecia sob o horizonte em tons de bronze dourado.
Sentei nas soleiras do casarão abandonado e esvaziei todos os sentimentos e emoções. Percebi a sua chegada suave e sentados distantes, ficamos em silêncio absoluto, enquanto a luz era consumida pela curvatura da Terra e das montanhas distantes.
Sem luz, perdi de ver o brilho dos teus olhos, perdi de ver de vez, o que talvez não veja nunca mais. Em um escurecimento de vista, tudo em minha volta era escuridão total, mas ainda sentia a sua presença, como se quisesse dizer alguma coisa para meu ser.
Sem entender aquele sonho distópico, acordei e não sabia se ficava triste ou se me alegrava em ainda sonhar com você. Ao despertar, percebi que ainda chovia fazia frio, as lágrimas nos meus olhos eram águas daquela noite insone e triste.
Por Belarmino Mariano* - fragmentos de sonhos.