sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Quando um Ponto de Vista Passa do Ponto e Ultrapassa os Limites das possibilidades.

Por Belarmino Mariano.

Estas são algumas poucas impressões sobre um simples e insignificante ponto, um ponto que pode ser final, não vindo mais nada depois. Um ponto como um olhar despretensioso e apenas enquanto ideia de pontuarmos o exercício de escritos do cotidiano.

De acordo com o Instituto Vizibelli, "o nervo óptico, composto por um conglomerado de fibras nervosas que nascem na retina, é responsável por conectar o globo ocular e o sistema nervoso central. Ele capta as informações através dos cones e bastonetes presentes na retina, que são estimulados pela luz projetada em objetos. Essas imagens que se projetam dentro do nosso olho são invertidas – estão de cabeça para baixo. É o nosso cérebro que faz a inversão da imagem, colocando-a na posição real."

De acordo com o cantor e compositor Pernambucano Lenine "Dois olhos negros e a curiosidade de saber quem é você". Dois olhos e o terceiro olho para mediar nossos pontos de vistas. Pois se na realidade vemos tudo de cabeça para baixo e um mecanismo neurológico da retina ocular inverte nossa visão no Interior do cérebro, qual é de fato o nosso ponto de vista?

Lenine só se tornou Lenine a partir do ponto de vista do seu pai, que era do Partido Comunista Brasileiro e quiz o homenagear o líder soviético Wlademir Lenin. Poderia ser Geraldo, Antônio ou José, "mirando no porto, miragem de um olhar para o mar bravio, de quem não sabe o que vai achar".

Aqui a brincadeira é pensar o quanto o ponto de vista pode influenciar nas nossas vidas. Pois com diz Kafka, "só um ponto fixo, a nossa própria insuficiência, é daí que precisamos partir."

Uma mulher pode ir a loucura ao encontrar seu ponto G, enquanto um homem pode perder a cabeça na hora H, precisando apelar para um ponto azul, tentando esconder seu ponto fraco. Mas nem tudo é sobre sexo, às vezes a coisa é mais complexa que um QR Cod no mercado de cripto moedas.
Se Lenine em uma grande angular, acha que "na cabeça do homem existe um porão, onde mora o instinto e a repressão, o que tem no solton?" São pontos de vista, entre razão, lembrança e esquecimento. Ele ainda lembra do domador de falcões que usa o "capuz negro que cega o falcão selvagem". 

Imagino o ponto de vista de um velho armênio cego, na porta da igreja medieval a mendigar moedas de um mundo dominado pelos turcos. Nesse cenário o mar negro afunda navios ao seu ponto mais profundo e escuro.

Às vezes o ponto central de uma questão se encontra no olho de Hórus que foi enterrado pelas areias finas do Saara ou na nota de um dólar norte-americano, tentando escapar das garras do grande tigre asiático e suas tecnologias de inteligência artificial.

Quando Pedro Osmar diz que "foi você a pessoa que deu um nó cego no meu peito", ele se refe ao seu peito e o ponto central é o nó cego e não é de vista, mas da força de um apaixonado. É como a miragem de Lenine, miragem em um navio lá no mar bravio e, se é bravio, não será o ponto meme do centro do pacífico.

É a mesma ideia da ponte, de "como é que faz pra sair da ilha, pela ponte, pela ponte." Ele aponta para a ilha, para Lenine "a ponte não é de concreto, a ponte não é de cimento, a ponte é até onde vai a força do meu pensamento."

Mas nem tudo é sobre pontos de vistas, miragens, ilhas e mares bravios, às vezes, estamos escrevendo sobre o ponto final, e seus parceiros de pontuação e das regras gramaticais da língua escrita ou falada. Nesses casos, parece que o ponto é um carinha perigoso, apesar de pôr o fim nas questões, querelas e desacordos, ainda se entromete em todas as outras pontuações. A vírgula nada mais é do um ponto com um pequeno rabo e por isso, não é final. 

Noutros momentos o ponto resolve se intrometer no meio do texto e acima da vírgula (;), saí dividindo as orações e ordenando sentindos de pausas prolongadas e coordenadas. Não existem regras, artigos e leis sem o ponto e a vírgula coladinhos.

Coitada da interrogação, precisa de um ponto de apoio para não cair em sua própria curvatura e, no máximo, interroga, questiona (?) e inquire, mas é o ponto quem dá o toque final à oração mesmo que seja uma pergunta (?).

Se a gente quiser juntar um monte de coisas em um texto, o ponto se mete em tudo, no começo, no meio e principalmente ao final da conversa. O ponto se acha, no meio da frase, resolve dividir, ordenar ou enumerar coisas, então se transforma em dois pontos (:). Nesse condição de dois pontos o cara entra na matemática e sai dividindo tudo.

O ponto final é abusado e, quer ver confusão, ou mau humor, quer ver explosão de alegria, então, o ponto pega um porrete e vira exclamação (!). As vezes é pura alegria e êxtase! Outras vezes é porrada mesmo!
Vendo a exclamação agindo, em se tratando de pontos, parece que existe uma grupo perigoso, alguma facção muito bem articulada, interferindo diretamente em todo e qualquer tipo de experiência escrita e, as pontuações tem o ponto final como líder e vamos colocar todos os pontos nos (i)s, quando ele não pretende terminar a conversa se junta com mais dois e se transforma em reticências (...). Não tem essa de despedida e ponto final, quando esses carinhas se juntam. Pode até colocalos entre paréntesis e só um simples (.), toma o lugar do (x) e se transforma em multiplicação.

Todo final precisa de um ponto, mas esse não é o meu ponto de vista. Pode até ser o seu. Às vezes a gente pode até pensar em não insistir naquele ponto, naquela questão, mas alguém insistente, sempre volta aquele ponto, aquela máxima, até que alguém se irrita e grita: Acabou! Chega! Não dá mais! Stop! Lá ele! 

Apesar de não ser um ponto final no sentido da expressão da fala, é uma derivação, pois o ponto de exclamação é um ponto com porrete literalmente na cabeça e, por incrível que pareça também vem sempre ao final de uma frase ou fala, em que o sujeito afirma com veemência que, se a gente não encerrar o assunto, o ponto de exclamação entra na história com humor ou aborrecimento exagerado!

Sê tá louco!? Você perdeu o juízo!? Sempre imaginei o ponto de exclamação como um sujeito bipolar, ora excitado, agitado e feliz, ora irritado, puto e pronto para lançar uma porrada no pé das olheiras de alguém. 

Desculpem a insistência, mas sempre vi a exclamação como um ponto, literalmente com um porrete e se estiver com uma interrogação ao lado, saia de perto, disfarce e pule fora, dê três pulinhos (...), pois esses pontos unidos são boca de confusão!?!?!

Os pontos estão em todos os lugares, coisas e textos desde um minúsculo buraco na blusa de dormir, a um infima pedrinha na areia da praia, até o mais gigantesco olho cego de um buraco negro. Dependendo da escala e da grandeza, a terra é um ponto, ao lada da lua e de todos os demais planetas e satélites. O sol é um ponto brilhante, assim como os bilhões, trilhões ou quatrilhões de estrelas que ponteam o universo.
No mundo da física e da química o átomo é um ponto infinitesimalmente pequeno e nele ainda tem pontos infinitamente menores como: núcleo, prótons, nêutrons, neutrinos e outroas particulas subatómicas.

Quando o médico diz que a cirurgia ficou perfeita, alertando para um corte no ponto certo, retirada daquele ponto infeccioso e para os 21 pontos de costura dos tecidos do paciente, estamos diante de uma cirurgia exitosa em todos os pontos da previsão médica.

Nas agulhas do acupunturista, ponto a ponto ele vai encontrar os pontos de dor e tensão. Naqueles pontos estratégicos ele vai lançando as pontas das agulhas e traça uma cartografia de pontos de tratamento. Como é relaxante uma sessão de acupuntura. Em diferentes pontos do corpo, pequenas furadas de agulhas e você sai novinho em folha.

Aqueles pontos de dor, de tensão e até mesmo pontos de emoção, aquela milagrosa medicina chinesa consegue chegar. O ponto não é de vista, pois ninguém vai enfiar uma agulha no olho de ninguém, mas fiz uma sessão de acupuntura no rosto e na cabeça. Que experiência incrível! Saí dali com outro ponto de vista sobre os reais efeitos terapêuticos da acupuntura chinesa.

Mas quando estamos falando de saúde, medicina ou doenças, essa coisa de pontos, envolvem muitos procedimentos e diagnósticos, pois quando a adolescente aparece no dermatologista cheia de pontos na cara, surgem as preocupações com as acnes e de repente, aqueles pontinhos podem ser o final da beleza e sua vaidade entra em desespero.

Um turbilhão de pensamentos sobre aquela tragédia e quando aquele ponto espinhal inflama, vira uma mancha vermelha, um ponto esverdeado. Dependendo da quantidade de pontos e do grau de sensibilidade da pele, aquele rosto lindo se transforma em uma cadeia de pontos, prontos para eclodir, igualmente a vulcões entrando em erupção.

O que era saúde, estética ou trauma psicológico juvenil, a depender do ponto de vista, já se transforma em geografia, então a gente começa a descobrir que na geografia, um ponto pode representar uma marca, uma referência, uma localização. Então as crianças começam logo a aprender a como se localizar no espaço. Surgem expressões como: os pontos cardias, colaterais e sub-colaterais. 

Então cada ponto cardeal aponta para um ponto do céu e começamos a entender que no ponto onde o sol nasce sempre fica o Leste, no ponto oposto o Oeste. Aí a professora, calmamente, escolhe a estudante Hannah como ponto de referência e pede para ela ficar em pé.

Os pontos de orientação são bem simples, Hannah estira o braço direito para o ponto do nascer do sol e o braço esquerdo para o ponto onde o sol se põe. Então temos o leste e o oeste. Agora a professora explica: o ponto que fica na frente de Hannah é o norte e as suas costas ficam ao ponto sul.

O ponto entre o norte e leste é nordeste; entre o leste e sul fica o sudeste; entre o sul e oeste o sudoeste e entre o oeste e norte fica o neroeste. Pontos e mais pontos ate formarnos a rosa dos ventos.

Mas na geografia, o ponto é utilizado de milhares de outras maneiras. Em um mapa, por exemplo, a legenda é recheada de pontos, são pontos de diferentes tamanhos e cores.

Os pontos podem demarcar as cidades, as capitais, as metrópoles, as megalópoles, e assim, os mapas vão se enchendo de pontinhos. Às vezes, esses pontos vão se sobrepondo, para dar uma ideia de grandeza quantitativa e representação de importância ou destaque.

Mas não é só isso, geografia da vida cotidiana, tudo é ponto e sem brincadeira, o ponto não precisa ser final, pois na geografia o que temos de pontos, estão mais para reticências. Pontos como paradas obrigatórias: Ponto de ônibus, ponto de táxi, ponto de mototaxi, ponto do metrô, ponto de trem, ponto da balça, ponto do aeroporto, ponto de chegada, ponto de partida.

Se você precisa localizar qualquer coisa, você terá um ponto de referência e nesse caso: pontos comerciais são fundamentais. Naquele ponto existe uma loja de tecidos, de calçados, farmácia, supermercado, panificadora, ótica e assim a cidade vai se enchendo de ponto, tal qual o rosto da adolescente vira um terreno de acnes.

Na arte e na matemática, os pontos são cruciais, acho até que sem eles, seria difícil entender tais assuntos. São as junções dos pontos que originam as retas e com as retas se desenha todos os tipos de formas geométricas. Geometricamente, um ponto fixo de uma função é um ponto de interseção entre a reta com o gráfico da função. 

Como disse o filósofo e matemático grego Arquimedes: "Dê-me um ponto de apoio e uma alavanca, e eu moverei o mundo.” quer mais?

As mulheres rendeiras trabalham literalmente com pontos e linhas, entre eles, o ponto de cruz. Elas marcam pontos no tecido e vão fazendo furos pontuados para cozer lindos floreios. Apenas com a agulha e a linha, começam a render os pontos e nós para fazer lindas peças.

A mesma coisa fazem os pescadores de redes de arrasto. Traçam pontos em linhas de nylon e constroem suas redes de pescar. O incrível é sabermos que, naquela rede, tem os pontos cheios de nós e os pontos vazios, pois a água e o ar passam pelos pontos furados e os peixes ficam presos na malha que são os pontos da rede do pescador.

Agora imagine o que seria do dominó sem aqueles pontos pretos que indicam combinações numéricas de branco, 1, 2, 3, 4, 5, 6. Pontos que se repetem como se fossem frações de possibilidades combinadas. Mas não é só no dominó, pois em todos os jogos ou esportes os pontos estão presentes. Gols, cestas, saques convertidos, posição na natação, nos cronômetros e ponto a ponto conquistado, o atleta ou a equipe se sagra campeão.

Querendo ou não, estamos rodeados de pontos por todos os lados, portanto, pontos são significativos em tudo o que fazemos e até deixamos de fazer. O ponto certo para o doce, o sal, a pimenta, o azedo e o amargo não podem passar do ponto e se brincar o leite derramado só derramou porque passou do ponto.

O ponto certo para a comida e a bebida, está no ponto ou passar do ponto são situações constantes em nossas existências e experiências. O casamento chegou em um ponto que não dava mais. Ontem eu bebi tanto que passei do ponto, quero dizer, não tenho certeza, mas os amigos contaram que depois da meia noite, subi na mesa só de cueca e critei, agora é o ponto alfa da festa, que tragam os cabides!!!

Cara que louco, no teatro, no cinema, na música, na arquitetura e onde você quiser observar, irá perceber a importância do ponto na trama, na lux, na sombra, na marcação do palco, na definição das colunas, arcos e nos vazios do espaço, os pontos são fundamentais. 

Os pontos de fuga naquela cena horripilantes de terror. O ponto é o X de todas as nossas questões mais cruciais, como a vida e a morte, então, muitos acreditam no ponto de partida e no ponto de chegada, mas ninguém sabe onde esse ponto começa e se realmente é o ponto final.

Acho que vou parar por aqui, dar um ponto final a essa prosa, pois nem sei a que ponto poderia chegar, então estou preferindo deixar alguns pontos de fora dessa conversa, só para não criar nem um ponto de confusão. Nem quero tocar em pontos políticos ou pontos polêmicos sobre religião, sexo dorgas ou rock in rool. Esses pontos vou deixar para vocês.
Por Belarmino Mariano. Imagem das redes sociais.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

Ao final das Contas, Quem São Todos Vocês?

Por Belarmino Mariano, imagem das redes sociais.

Que loucura, como pode ser, que situação difícil até de se acreditar. Mas estava diante de um ambiente tranquilo e calmo, como em um local de meditação e fui entrando suave e descalço, enquanto ouvia vozes, vindas de um salão de reuniões.

Ao me aproximar, fui observando que aqueles rostos eram todos conhecidos e atônito não estava entendendo nada. Passei a contar todos aqueles homens reunidos e eram exatamente 47 pessoas. 

De alguma maneira, acho que alguém percebeu a minha presença, mas continuaram conversando como se eu não estivesse ali e, apesar de reconhecer algumas palavras, não compreendi o que estavam discutindo.

Certamente era uma língua morta, como sânscrito, pois as frases pareciam poemas melódicos. Me aproximei ainda mais e para ter certeza de onde estava me belisquei, mas não senti a pressão, nem a dor das unhas em minha pele. 

Então estiquei o dedo indicador e ele, parecendo uma borracha, se esticou e me deu a certeza que me encontrava em um desdobramento astral, em alguma área da quinta dimensão. Era a única explicação plausível. Não estava em meu corpo físico e me senti chocado com tudo aquilo.

Os 47 indivíduos reunidos, eram todos meus próprios eus, ou partes inteiras de mim mesmo. Então pensei, estou diante das 48 leis da física, pois preciso me incluir nessa conta. Pela primeira vez em toda a minha vida me encontro comigo mesmo, como se estivesse em uma presente paralelo ao mundo real e em uma reunião, para qual não tinha consciência.

Voltei a fazer contas e vi que 48 era uma combinação de 4+8:12 e essa decomposição me colava diante 1+2:3. Essa era uma equação que estava me levando para além do mundo tridimensional, pois ali tudo era fluido e estava muito além da materialidade.

Naquele momento, comecei a observar que estava diante de corpos astrais de mim mesmo e parecia redundância demais, porém percebi que em cada um havia uma fase da minha existência e, apesar de todos estarem em um presente absoluto, eram momentos em uma crescente combinada com elementos infantis, adolescentes, jovens, jovens adultos, adultos e o agora era eu aos meus 61 anos de idade, um velho moço que ainda sonha loucuras. 

Mas nas minhas contas sobre todos aqueles indivíduos, ainda faltavam dois números o 5 e o 9, pois o 6+1:7, dava o 7. Era como se eu estivesse em um veículo de Jeremias e fosse levado às nuvens, onde haviam esferas celestiais. Refleti um pouco mais e entendi que o 5 já estava ali desde o princípio, era o pentagrama de minha existência. Era o espaço tempo dos fluidos ou a quinta essência, o mundo astral ou a quinta dimensão. Lugar onde as leis físicas são reduzidas para 36. Logo à quinta dimensão, ao ser somada com a quarta ou mundo causal, me apresentava o 3+6:9, ou o 4+5:9. O Eremita, a busca incessante de nós mesmos. Que loucura, o ano de 2025 era exatamente a combinação do 2+0+2+5:9.

Pensei, será que estou no passado ou no futuro? Mas ali na quinta dimensão o tempo não existe, como a concebemos. É um encontro em que só saberei depois dos fatos ocorridos? Foi nesse momento que lembrei das minhas filhas, meu filho e minha mulher, o núcleo duro da minha existência familiar, 1+1+3:5, notei que estava exatamente onde estou no mundo real, mesmo que experimentando uma viagem astral. Que matemática fantástica essa que só nos Vedas já tem mais de 5 mil anos.

As minhas filhas estão entre a adolescência e juventude e juntamente com duas grandes amigas da mesma faixa etária, insistem na ideia dos roteristas, em que, somos os protagonistas das histórias das nossas vidas e eles ou elas estão o tempo todo, traçando as situações e cenas a serem vividas, mas até que ponto chegaríamos até eles?

Mas porque me veio esse raciocínio lógico e totalmente ancorado a linguagem dos números? Lembrei do paradigma indiciário e por isso, da teoria dos roteiristas dentro de nós pois estava diante de um firte indício para essa possibilidade.

São estes roteiristas que definem todos os cenários, cenas e situações da nossa existência e experiência, exatamente como acontecem cotidianamente e eram temas recorrentes em nossas viagens ou passeios de carro. Quando dava algo errado, minhas filhas até brincavam ao dizer que não estavam gostando daquelas cenas escolhidas pelos roteiristas.

Fiquei perplexo com tamanha complexidade daquele encontro e fui a uma situação extrema, de tentar encarar as personas, uma a uma, porém, era como se não existisse nenhuma interação e todos ao mesmo tempo, pareciam apenas hologramas em uma cena de ficção científica, algo como uma filmagem tridimensional.

O meu olhar não era correspondido por nenhum dos personagens da cena, mas continuavam conversando entre si, como se nada ou ninguém os ateapalhassem. Continuei consciente e tentando solucionar aquele intricado enigma de mim mesmo.

Lembrei da física quântica e dos anos de estudos exotéricos e lembrei da teoria dos três corpos (astral, mental e vital), então imaginei que, se eu era meu corpo astral e, naquele meio poderia existir mais dois de mim, que estariam naquela cena e tentei imaginar que os demais fossem apenas reflexos, nessa combinação matemática e metafísica. 

Os encarei um a um novamente e parecia um exercício em vão, então resolvi falar e perguntei: "ao final das contas, quem são todos vocês?" Observei que a minha fala saiu no mesmo idioma em que conversavam, mas em um padrão ou tom de vibração irritado e inseguro que não surtiu o efeito esperado.

A experiência em falar e em demonstrar insegurança e impaciência, não ajudou em nada. Percebi que minha ideia ou noção de espaço-tempo estava completamente vazia de sentidos e meus pensamentos, sentimentos e desejos não mostravam confluência para lugar nenhum.

Roteiristas poderiam estar discutindo o que seria da minha vida amanhã de manhã, como seria meu dia, minha melhor performance de vida cotidiana, meus medos, minhas angústias e minhas alegrias, porque não?

Ainda cheguei a pensar, se todos estão aqui, discutindo algo tão acalorado, deve ser sobre minha pessoa, mas eu participo? Eu não opino? Não tenho as rédeas do meu próprio destino? Se eu estava naquele encontro, teria morrido e por isso estava vendo aquilo tudo se passando como em uma tela de cinema, tal qual a Experiência Quase Morte (EQM), que muita gente revela? 

Pela primeira vez em uma espécie de tranae, conscientemente, estava diante dos meus próprios eus. Lhes encarando e, mesmo sem respostas fui entendendo que tudo estava sob controle, pois parecia uma conversa alegre e descontraída. Eles estavam felizes e descontraídos.

Fui me acalmando e sem perceber, já estava em outro ambiente, lembrava daquele encontro ao acaso, mas não estava vendo mais ninguém, além de mim mesmo. Era tarde da noite e fazia um pouco de frio, as luzes estavam acesas, ouvi um barulho de motocicleta, enquanto pessoas conversavam, mas não compreendi o que estavam dizendo. 

Olhei para um pequeno barulho em um canto da garagem e percebi um besouro com tons brilhosos e de uma cor esverdeada, como se estivesse encandeado com a luz de led e batido contra a parede branca enquanto traçava suas rotas de voo.

Olhei para o relógio e percebi que já eram 00:48 horas. Levantei da rede e me dirigi para o quarto, pois já eram os primeiros minutos do dia 26/02/2025, restavam poucas horas de sono e um dia puxado para viver. Sempre soube que as crianças mantinham um leve contato com experiências astrais, mas parece que os velhos também passam por essas experiências, apesar se tudo isso parecer fantasias em nossas mentes.

Por Belarmino Mariano, imagem das redes sociais.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Freud e o Marxismo

Por Carlos Lopes*

[Este texto foi publicado originalmente no site da Fundação Maurício Grabois, com o título Freud e Marx: conexões e divergências na busca pela compreensão humana. O autor é vice-presidente nacional do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e membro do Grupo de Pesquisa sobre Problemas e desafios contemporâneos da teoria marxista].

Todos os saltos qualitativos da ciência, no século XIX, constituíram uma introdução da história nos vários campos do saber. A rigor, nem se pode falar em “introdução”, pois, em realidade, foi uma redução – ou conversão – à história dos vários terrenos do conhecimento.

Tal movimento geral da ciência parece justificar, inteiramente, aquela frase que aparece riscada em uma obra da década de 40 do século XIX, somente conhecida no século XX: “conhecemos apenas uma ciência, a ciência da história” (Karl Marx e Friedrich Engels, A Ideologia Alemã, trad. Luís Cláudio de Castro e Costa, Martins Fontes, 2001, p. 107).

É a ciência da história que, no século XIX, confere caráter científico às demais ciências – que nos perdoe o leitor a frase pouco ajambrada.

Assim foi com a evolução darwiniana, em 1859 (data do livro de Darwin, A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, ou Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida) e 1871 (A Descendência do Homem e Seleção em Relação ao Sexo).

Da mesma forma, a abordagem de Karl Marx à própria história e à economia, que começa na década de 40 do século XIX (Manuscritos Econômicos e FilosóficosTeses sobre FeuerbachA Sagrada FamíliaA Ideologia AlemãMiséria da FilosofiaManifesto Comunista), culminando com o primeiro livro de O Capital, em 1867.

Por fim, a obra de Sigmund Freud, que tem, como ponto de virada, A Interpretação dos Sonhos (1900), que, finalmente, concebe a psique humana de um ponto de vista ontogenético e filogenético – ou seja, histórico.

Notemos que estes são os pontos nodais do pensamento humano no século XIX, que determinariam o decorrer da ciência no século seguinte – e até hoje.

Mas estão longe de ser os únicos. Pelo contrário, estão entrelaçados com outros, cujo movimento foi na mesma direção.

Assim, Darwin se alicerçou na economia política de Malthus, e, como observou Gould, também nas teses geológicas de Charles Lyell, cujos Princípios de Geologia apareceram entre 1830 e 1833 (v. Stephen Jay Gould, Ever Since Darwin: Reflections in Natural History, W. W. Norton & Company, NY, London, 1977).

Os próprios Malthus e Lyell, independente de suas limitações, estavam tentando dar um caráter histórico às suas abordagens da economia e da geologia.

Da mesma forma, Marx, sobretudo ao partir de Hegel e Feuerbach – assim como as tentativas anteriores dos próprios Hegel e Feuerbach.

Aliás, do ponto de vista estritamente filosófico, o pensamento de Marx surge a partir de uma crítica aos pensamentos de Hegel (Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel) e Feuerbach (Teses sobre Feuerbach).

Em Freud, é claro o fundamento da psique humana (da psique dos adultos humanos) nas experiências infantis (os saltos qualitativos representados pelas fases oral, anal, e, sobretudo, pela fase edípica, mais conhecida como “complexo de Édipo”) e na experiência da espécie (v. entre outros, Totem e Tabu, 1913, Ed. St. Bras., vol. XIII).

É, portanto, o elemento histórico que, também em Freud, é determinante para uma explicação científica da psique humana – e, inclusive, para uma compreensão terapêutica das neuroses, embora esse último aspecto é considerado secundário em um de seus últimos trabalhos (v. Análise terminável e interminável, 1937, Ed. St. Bras., vol. XXIII).

Freud era – como também Marx, e também Darwin – um homem do Iluminismo. É interessante – e inescapável – como a horda primordial, hipótese desenvolvida por Darwin em seu livro sobre a descendência do homem, é a base assumida de Totem e Tabu e de outras obras de Freud.

Menos conhecida é a relação de Freud com Marx, até porque ela é, em boa parte, inconsciente (para usar uma palavra muito cara à psicanálise).

Mas é peculiar que um pensador até certo ponto superficial, como Erich Fromm, deva sua notoriedade, precisamente, ao amálgama que tentou entre o pensamento de Freud e Marx (ainda lembro quando, adolescente, li pela primeira vez, ao modo de uma descoberta, Meu Encontro com Marx e Freud).

Em sua juventude, Freud, assim como Marx, foi fortemente influenciado por Feuerbach, tal como aparece em sua correspondência com Silberstein. Há, inclusive, uma carta em que Freud diz ao amigo, sobre Feuerbach: “entre todos os filósofos é este o homem que mais venero e admiro” (v. As Cartas de Sigmund Freud para Eduard Silberstein, Imago, 1995).

A concepção geral que preside o trabalho de Freud é muito conhecida: “quanto menos um homem conhece a respeito do passado e do presente, mais inseguro terá de mostrar-se seu juízo sobre o futuro” (O Futuro de uma Ilusão, 1927, Ed. St. Bras., vol. XXI).

Sabemos que Freud, depois da Iª Guerra, era um leitor – e, provavelmente, eleitor – dos jornais do partido social-democrata austríaco. Tendia, portanto, para a esquerda. Tinham ficado longe os dias em que aconselhava prudência aos amigos na oposição a Bismarck (ver as cartas a Silberstein).

Sua atitude de repugnância em relação ao nazismo – que, em 1938, anexou a Áustria – é também característica, pois não foi determinada por razões raciais, ou seja, pelo fato de ser judeu. Aliás, ia muito além disso.

Pelo contrário, foi em meio à perseguição hitlerista aos judeus que ele publicou, em 1939, Moisés e o Monoteísmo (Ed. St. Bras., vol. XXIII), um livro que dificilmente serviria de lenitivo aos perseguidos, como ele sabia, e disse, no primeiro parágrafo da obra:

"Privar um povo do homem de quem se orgulha como o maior de seus filhos não é algo a ser alegre ou descuidadamente empreendido, e muito menos por alguém que, ele próprio, é um deles. Mas não podemos permitir que uma reflexão como esta nos induza a pôr de lado a verdade, em favor do que se supõe serem interesses nacionais; além disso, pode-se esperar que o esclarecimento de um conjunto de fatos nos traga um ganho em conhecimento.”
Neste sentido – o rigor na busca da verdade -, Freud está bem próximo do marxismo. Em uma das Novas Conferências Introdutórias, ele escreveu: “a verdade simplesmente não pode ser tolerante, não admite conciliações ou limitações” (v. Ed. St. Bras., vol. XXII).

E, no mesmo texto, de 1933, ele aprofunda essa questão, contrariando todas as ridículas crenças de que seria adepto de alguma forma de irracionalismo:

"Nossa maior esperança para o futuro é que o intelecto — o espírito científico, a razão — possa, com o decorrer do tempo, estabelecer seu domínio sobre a vida mental do homem. A natureza da razão é uma garantia de que, depois, ela não deixará de dar aos impulsos emocionais do homem, e àquilo que estes determinam, a posição que merecem. A compulsão comum exercida por um tal domínio da razão, contudo, provará ser o mais forte elo de união entre os homens e mostrará o caminho para uniões subsequentes. Tudo aquilo que, à semelhança das proibições da religião contra o pensamento, se opõe a uma evolução nesse sentido, é um perigo para o futuro da humanidade” (v., Freud, A questão de uma Weltanschauung, Ed. St. Bras., vol. XXII, Novas conferências introdutórias sobre psicanálise e outros trabalhos, Conferência XXXV).

Existe, hoje, uma extensa literatura sobre a relação entre a psicanálise e a Revolução Russa. Muito dessa literatura tem um ranço inequivocamente trotskista, ou, pelo menos, anti-stalinista. No entanto, não há, na obra de Stalin, nem um único parágrafo de condenação à psicanálise. Quanto a Lenin, chegou, em uma das edições de Materialismo e Empirocriticismo, a colocar uma nota de pé de página algo mal humorada e pouco compreensível em relação à psicanálise – mas é só (para uma abordagem mais ou menos razoável do problema, embora não isenta de alguns preconceitos, v. Macari, M. L., & Weinmann, A. O. (2021).
 Psicanálise e Revolução Russa: notas para um debate. Avances en Psicología Latinoamericana, 39(2), 1-15).
O fato é que somente em 1958, quando Kruschev era o principal dirigente do PCUS, houve uma condenação oficial à psicanálise, e, particularmente, ao que foi chamado “freudismo”, na Sessão Especial do Presidium da Academia de Ciências Médicas da URSS (v. Filipp Veniaminovich Bassin, O Problema Do Inconsciente, Civilização Brasileira, 1981).

Então, o nosso problema, neste artigo, se resume ao que Freud achava da Revolução Russa e da construção do socialismo na URSS. Aqui aparecem suas limitações. Em sua excelente biografia, Peter Gay retrata Sigmund Freud como um burguês progressista. É possível que tivesse razão (v. Peter Gay, Freud, uma vida para o nosso tempo, Companhia das Letras, 1998).

Mas, apesar disso, temos de convir que ele foi muito cauteloso ao abordar a experiência socialista, isto é, o marxismo em seu aspecto prático.

Em 1927, por exemplo, ele escreveu:
Em 1927, por exemplo, ele escreveu:

“… não tenho a menor intenção de formular juízos sobre o grande experimento em civilização que se encontra hoje em desenvolvimento no imenso país que se estende entre a Europa e a Ásia. Não possuo conhecimento especial nem capacidade de decidir sobre sua praticabilidade para testar a adequação dos métodos empregados ou medir a amplitude do inevitável hiato existente entre intenção e execução” (v. O Futuro de uma Ilusão, Ed. St. Bras., vol. XXI).

Três anos depois, em 1930, ele deixaria, em parte, essa cautela, para afirmar o papel da agressividade como predominante na tensão com a civilização, inclusive acima da base econômica, isto é, acima até mesmo da luta material pela vida:

“Os comunistas acreditam ter descoberto o caminho para nos livrar de nossos males. Segundo eles, o homem é inteiramente bom e bem disposto para com o seu próximo, mas a instituição da propriedade privada corrompeu-lhe a natureza. A propriedade da riqueza privada confere poder ao indivíduo e, com ele, a tentação de maltratar o próximo, ao passo que o homem excluído da posse está fadado a se rebelar hostilmente contra seu opressor” (v. O Mal-Estar na Civilização, Ed. St. Bras., vol. XXI).

A ideia que Freud faz daquilo que os comunistas pensam é ingênua. Mas ele não consegue enfrentar a crítica social dos comunistas. Portanto, a admite. Apenas, tenta eliminar o problema central dela, isto é, o seu fundamento econômico:

“Se a propriedade privada fosse abolida, possuída em comum toda a riqueza e permitida a todos a partilha de sua fruição, a má vontade e a hostilidade desapareceriam entre os homens. Como as necessidades de todos seriam satisfeitas, ninguém teria razão alguma para encarar outrem como inimigo; todos, de boa vontade, empreenderiam o trabalho que se fizesse necessário. Não estou interessado em nenhuma crítica econômica do sistema comunista; não posso investigar se a abolição da propriedade privada é conveniente ou vantajosa” (idem, grifo nosso).

E, em seguida, ele levanta a argumentação de que os fatores psicológicos – isto é, a agressividade inerente ao ser humano – impediriam o sucesso dessa transformação social.

Mas, por que Freud abandonou a cautela de três anos antes, em relação à construção do socialismo?

Porque, em 1930, ao contrário de em 1927, já eram públicos, inclusive no Ocidente, os primeiros embates dentro da URSS (Trotsky foi expulso do PCUS em novembro de 1927 – e expulso do país em 1929).

O aumento da tensão dentro da URSS, e, por tabela, no exterior, fez com que Freud abandonasse a cautela inicial e proferisse um prognóstico pessimista sobre a construção do socialismo, baseado em uma suposta agressividade inerente à espécie humana – uma agressividade para a qual ele, um materialista, não encontrou um fundamento material.

Assim, isso o levou, finalmente, a examinar o marxismo, inclusive além do aspecto prático. Mas é importante que ele tenha colocado algumas restrições ao seu próprio conhecimento sobre o assunto:

“As investigações de Karl Marx sobre a estrutura econômica da sociedade e sobre a influência de diferentes sistemas econômicos em todos os setores da vida humana adquiriram inegável autoridade nos dias atuais. Em que medida os seus pontos de vista, em seus detalhes, estão corretos ou são errôneos, não posso dizer, naturalmente. Compreendo que esse assunto não é fácil sequer para outros mais bem instruídos do que eu” (v. Freud, A questão de uma Weltanschauung, ed. cit.).

As objeções de Freud ao marxismo, resumem-se a duas:
1) O fator econômico não é a única base e motivação da história e das ações humanas. Trata-se, evidentemente, de algo que nem Marx nem o marxismo jamais afirmaram. Aliás, Engels, numa carta, afirmou explicitamente o contrário. No caso, seria, analogamente, o mesmo afirmar que a psicanálise concebe o fator sexual como único móvel dos seres humanos. Constituiria uma deformação tão grande quanto afirmar que o marxismo concebe o fator econômico como único móvel das ações humanas.

2) Que o marxismo, como guia para a ação histórica, transformou-se numa religião. Isto, evidentemente, só seria verdade se o marxismo, aplicado na construção do socialismo, houvesse se desligado da realidade, transformando-se em mera crença, pois é a isso que se chama religião.

Para que não fique dúvida sobre esta segunda questão, transcrevemos o que consignou o próprio Freud no texto citado:

“Embora o marxismo prático tenha varrido impiedosamente todos os sistemas idealísticos e as ilusões, ele próprio desenvolveu ilusões que não são menos questionáveis e merecedoras de desaprovação do que as anteriores. Ele espera, no curso de algumas gerações, de tal modo alterar a natureza humana, que as pessoas viverão juntas quase sem atrito na nova ordem da sociedade e que elas assumirão as tarefas do trabalho sem qualquer coerção. 

Nesse meio-tempo, ele muda para algum outro setor as restrições instintuais que são essenciais na sociedade; desvia para o exterior as tendências agressivas que ameaçam todas as comunidades humanas e apoia-se na hostilidade do pobre contra o rico e na hostilidade daquele que até então esteve impotente contra os governantes anteriores. 

Mas uma transformação da natureza humana, como esta que pretende, é altamente improvável. O entusiasmo com que a massa do povo segue a instigação bolchevista, atualmente, enquanto a nova ordem está incompleta e ameaçada de fora, não oferece nenhuma certeza para um futuro no qual estaria completamente construída e isenta de perigos. 

Exatamente da mesma forma como a religião o bolchevismo deve também oferecer aos seus crentes determinadas compensações pelos sofrimentos e privações de sua vida atual, mediante promessas de um futuro melhor, em que não haverá mais qualquer necessidade insatisfeita” (grifo nosso).

Porém, a mensagem final de Freud, inclusive neste texto, não é desesperançada em relação ao socialismo, mesmo com todas as suas restrições de burguês progressista:
“Não há dúvida quanto à maneira como o bolchevismo responderá a essas objeções. (…) E seríamos educadamente solicitados a dizer como é que as coisas poderiam ser manejadas de outra maneira. Isto nos derrotaria. 

Eu não poderia pensar em conselho algum a dar. Eu admitiria que as condições desse experimento haveriam dissuadido a mim e aos meus semelhantes de empreendê-lo; não somos, porém, as únicas pessoas a considerar. (…) Numa época em que as grandes nações anunciam que esperam a salvação apenas da manutenção da fé cristã, a revolução na Rússia — apesar de todos os seus detalhes desagradáveis — assemelha-se, não obstante, com uma mensagem de futuro melhor”.

Fonte: 
* Carlos Lopes, Jornal a Hora do Povo.
Link - https://horadopovo.com.br/freud-e-o-marxismo/

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025

Conversando com a Morte

Por Belarmino Mariano.

Esse papo começou no gerúndio e a esperança é que continuemos assim no gerundium, bem latinizado mesmo, até porque pretendo continuar conversando, andando, comendo, dormindo, falando, brincando, estudando e  correndo, não importando a ordem dos fatores, nem alterando o produto.

Isso mesmo, foi uma conversa franca, aberta e direta, de maneira simultânea e sempre considerando o princípio e o infinitivo sem uma definição clara de temporalidade verbal.

Tudo começou assim que estava acabando minha caminhada matinal e resolvi sentar em um banco da praça para dar uma atualizada nas mensagens em minhas redes sociais.

Sem perceber, vi sentada ao meu lado uma mulher de meia idade, trajando um vestido branco com simbologia exotérica e alguns elementos claramente da cultura andina, pelo menos foi o que me passou pela mente.

Parei de mexer ao celular e a  cumprimentei educadamente. Ela correspondendo aos cumprimentos foi logo perguntando se eu era daqui mesmo. Antes de lhe responder, pedi perdão e disse que estava pensando a mesma coisa e, mesmo antes de saber seu nome, iria perguntar se a senhora era de algum país andino.

Ela disse que poderia usar a expressão você, pois senhora lhe colocava em um patamar de envelhecida e não gostava da ideia, mas foi se apresentando com o nome e sobrenome: "Enma Macaria", e sim, tinha ancestrais da cordilheira e da Pátria Mama.

Descontraida me perguntou o que era um alpinista? Respondi que era um escalador de montanhas. Ela respondeu brincando que era uma das atividades mais arriscadas e que na verdade era um escalador dos Alpes, enquanto nos andes, os montanhistas se consideravam Andinistas, mesmo assim, escalar os Andes é muito mais arriscado que os Alpes.

Rimos pois fazia todo sentido e, enquanto admirava sua beleza enigmática, disse que me chamava Belarmino Mariano e ela, parecendo já me conhecer, comentou, que sabia e que era um professor da universidade.

Admirado e surpreso, fui percebendo que se tratava de alguma mulher especial, com alguns poderes sobrenaturais, tipo alguma cigana do além, e rindo comentei que era da região do Pajeú em Pernambuco, mas parece que já estava famoso por aqui (rimos).

Ela disse que trabalhava na área e era uma observadora compulsiva da vida das pessoas, e notara minhas caminhadas frequentementes. Que aquilo era bom para a saúde e que acabava retardando o encontro fatal com a morte que as pessoas tanto temem.

Tive que concordar e comentei que se tivesse que encontrar com a morte, que fosse algo assim surpreendente, descontraído e bem humorado. Rimos e ela inverteu os papéis dizendo a mesma coisa e ainda me colocando na berlinda, dizendo que eu poderia ser um bom mensageiro da morte e que ela estava muito feliz de conversar e me conhecer pessoalmente.

Comentou que uma amiga já tinha sido minha aluna e que eu brincava com eles em sala, ao conversar com alunos imaginários que estavam sentados nas cadeiras vazias e que achou isso fantástico. Eu confirmei a história e contei que algumas alunas ficavam com medo (rimos).

Que papo agradável, nem estava percebendo o tempo passando. Era meio mágico e até lembrei que certa vez, estava lecionando a Disciplina de Geografia Urbana e trouxe a turma da tarde para uma aula de campo no centro da cidade. 

Na ocasião, estudávamos o traçado das ruas e avenidas e arquitetura local. No decorrer da atividade, fomos  nos dirigindo para o cemitério e ao chegar no portão, uma aluna assustada perguntou se a gente iria entrar lá, aí respondi que sim. Naquele momento a estudante disse que "não entrava ali nem morta", pois morria de medo (Rimos).

Ai perguntei para a aluna se ao morrer, iria preferir ser cremada? Ela disse que era muito pobre para esse privilégio de cremação. Então eu lhe disse que, nesse caso, depois que morrer iria ter que entrar no cemitério, mesmo contra a sua vontade (rimos mais ainda).

Então pedi a um colega da turma que ficasse na companhia da garota até o nosso retorno. Mostrei aos estudantes que o cemitério tinha o mesmo padrão de uma cidade em pequena escala, com ruas, avenidas, quadras, moradias, árvores e jardins, mas o lugar era muito mais sossegado.

A conversa estava tão descontraída e ela comentou que eu usava métodos inusitados em minhas aulas e parecia ser bem resolvido com a morte, pois a travava dela com humor e arte.

Respondi que não era bem assim, mas que era meio cético quanto aos temas envoltos com os deuses, o tempo e a morte. Não me considerava um ateu convicto, mas via esses temas como elementos culturais diante de uma vida rara e imprevisível.

Via tudo como uma grande ilusão, mas gostava de viver, mesmo que provisoriamente. Gostava de envelhecer, de ser professor e tinha uma sensação estranha de já ter vivido outras vidas, e que poderia ser um indício de não existência da morte como o senso comum a ver.

Ela concordou comigo e disse que se fosse a morte, gostaria de tratar a todos dessa maneira, conversas incidentais, bons papos com desconhecidos. Mas que muitos eram passionais e emotivos demais e sempre viam a morte com horror e desespero.

Tive que concordar e lembrei de um artigo que havia escrito sobre a "morte como um espetáculo". Ela respondeu que já tinha lido esse meu artigo e que tinha gostado demais. Juro que fiquei surpreso, mas, antes que perguntasse algo, ela já estava de pé e se despedindo, tinha uma urgência para tratar.

Juro que adorei aquela conversa, aquele bate-papo com Enma Macario e confesso que "fiquei com uma pulga atrás da orelha", pois nem tudo é sobre a morte, mas sobre a sorte de podermos conversar com ela, sem medo, pois os encontros com Ela, são quase sempre incidentais...

Por Belarmino Mariano. Contos Sexagenários. Imagem das redes sociais.
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