Em um piscar de olhos e tudo acabou, mesmo não tendo sido um ponto final e nem a seta exata de uma bússola quabrada em um naufrágio universal. Aqui eu nasci, cresci, me criei e morri. Assim como em uma utopia, lugar nenhum, terra de ninguém.
Solo e vegetação ressecados, sol castigando e na linha do horizonte o vale das lamentações, como as nove esferas de Dant Halighier delimitam as profundezas da calma, da alma e da alegria. Aqui o sal guarda o sabor; o doce agrada ao paladar; o azedo aumenta a salivação e o apimentado queima e arde como fogo em brasa, mas o que é saborear a vida, sem saber dosar todas essas coisascom o amargo?
O tempo aqui não existe, o que há é ventania e tempestade enfurecidas pelo princípio do caos e incertezas ao acaso. Os deuses estão mortos e o amor é coisa para amadores e lunáticos.
Aqui a vida é assim, sem bagagem e nem peso para carregar.
Se você quiser, me leve, livre e sem peso que lute, pois a vida é assim, meio sem sentido, cheia de subidas e descidas. Maneira, leve e suave, mas, em um piscar de olhos e tudo pode acabar.
Pesada igual pedra de construção, é difícil demais não ter bagagens nessa vida e, em minhas lembranças mais distantes, ainda penso em você. Mas nessa caminhada sigo em silêncio, a vida vai me levando, sem saber aonde vai chegar, como se fosse um navio cheio de crecas, ancorado em destroços de quebra mares.
Um dia desses, fiz as nossas antigas rotas, me olhei por dentro e nos vi desenhando sonhos, fazendo arranjos de incertezas. Foi uma experiência solitária e triste, mas percorri distâncias e senti que viver de ilusões é um destino terrivelmente incerto.
Te olhei cinco passos à frente, tinha soltado tua mão e, enquanto amarrava o cadarço do tênis, você parou e olhou para trás. Ali fiz a besteira de te pedir em amor para sempre. Te assustei muito mais do que podia imaginar e nas profundezas do teu ser, saíste assustada para nunca mais voltar.
Era amor pra dar e sonhar, mas foi tudo um mau entendido, pois aquela aliança não te servia tanto assim. Afinal de contas, ainda eram frutas verdes e achei que estavam maduras. A pressa foi inimiga ou quem sabe era isso mesmo, te perder e me perder de te encontrar por séculos sem fim.
Esses nossos passos se desencontraram e os sonhos se perderam em meio a fumaça e fuligem da cidade. Até tentei entender, busquei lugares tranquilos, beira de mar, por-do-sol e caminhos de terra, em matas e cachoeiras.
Eu até te esperei, fiquei horas contemplando paisagens, observando formigas apressadas em trilhas de folhas cortadas para um inverno seguro, enquanto uma tempestade se desenhava naquela manhã de setembro. Era um exército de saúvas, muitas e disciplinadas e juro que me vi naquela pequenez de corpos instintivos e frenéticos.
Quando parava, via o mundo balançando em nuvens passageiras. Via o gavião sobrevoando a copa das árvores e ouvia o barulho da água em corredeiras, nas pedras da cachoeira. Era tudo muito natural e eu ali, sem saber o que estava acontecendo comigo. Mergulhei profundamente e chorei por entre as pedras de onde Oxum tomava banho de Sol.
Tudo em vão, tudo sem explicação e como não fazer plenamente aquilo que parecia certeza absoluta. O que ainda me machucava era lembrar de te ver chorando, por não saber o que sentias. Isso ainda me assombra, pois sentimentos e emoções racionalizados, fodem com a gente.
Esse teu cristianismo tosco e tuas verdades arcaicas conseguiram destruir qualquer chama de possibilidades. O mundo ficou grande demais e mesmo respirando fundo, ficamos sem ar e mesmo assim, ainda não sabemos o que aconteceu de fato, pois somos estranhos demais.
O que eu sinto, não sei explicar, não consigo dizer se é amor, paixão ou coisa parecida. Parece arrogância e até ignorância querer negar o que sinto, mas ainda sonho com você. Ainda me perco tentando te encontrar.
Só sei de uma coisa, perder de te ver me deixou desconcertado, me tirou do eixo e ainda me sinto jogado contra as cordas nesse ring de relutantes ilusões. Nem posso te pedir para que saia do meu caminho, pois já faz tempo que não cruzo com o teu olhar.
Em meu amarguramento e teimosidades amorosas, vejo a roupa lavada e estendida no varal, em pleno frio de uma manhã nublada, me lembra o quanto ainda sinto a tua falta. A solidão é um reclame constante por você e isso me consome de verdade.
Estou quase me deitando nesse piso frio, só para adoecer de friagem e parar de pensar em você, congelar sentimentos de lembranças e assim morrer de medo em ter te perdido em algum lugar da vida, em algum canto da cidade que já foi toda transfornada.
O meu coração domesticado é prisioneiro dessa gaiola de emoções frágeis e selvagens. Na imensidão dos meus pensamentos você é aquele capinzal dourado a tremular por entre as ventanias de setembro.
Mas fazer o quê, se meu frágil sentimento em te amar, me impede de fazer besteiras. Então vou tomar um café forte e me aquecer só para reviver esse pensamento de sentir saudades em lembranças tuas. Pois como diz o poeta Adeildo Vieira, "amar demais até parece mal, mas nenhum outro mal nos faz tão bem".
*Por Belarmino Mariano. Imagem das redes sociais.
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